O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea) anunciou hoje greve nacional a partir de 6 de Dezembro exigindo um “sistema remuneratório especial, pagamento de subsídios e melhores condições laborais”, apesar da “abertura negocial” do Ministério da Saúde.
O anúncio da observação de greve, previsto para se efectivar entre os dias 6 e 10 de Dezembro próximo, em todas as unidades sanitárias das 18 províncias angolanas, foi apresentado hoje em conferência de imprensa pelo secretário-geral do Sinmea, Pedro da Rosa.
Segundo o sindicalista, a greve foi deliberada em assembleia geral dos médicos, realizada em 20 de Novembro, em Luanda, com a participação física de cerca de 400 médicos e mais 1.500 que participaram de forma virtual.
Os profissionais da saúde deliberaram a paralisação para cinco dias e enquanto durar a greve serão prestados serviços mínimos nos bancos de urgência e cuidados intensivos. “Ficam suspensas as actividades de enfermaria e consultas externas”, afirmou o dirigente do Sinmea.
A necessidade de um regime remuneratório especial, o pagamento de subsídios, “melhores condições de trabalho, falta de material gastável, de medicamentos nas unidades hospitalares e o aumento da taxa de mortalidade de menores” constituem algumas das preocupações do Sinmea.
Para a classe médica angolana, verifica-se uma “gritante falta de medicamentos essenciais para o combate às doenças endémicas como a malária, doenças diarreicas, doenças respiratórias, com destaque para a tuberculose”.
“Foram criadas novas unidades sanitárias no quadro do PIIM (Programa Integrado de Intervenção nos Municípios) com o aumento do número de camas, mas, no entanto, não são recrutados médicos e nem enfermeiros nesses hospitais”, sublinhou Pedro da Rosa.
Angola “tem muitos médicos formados com o dinheiro do Estado no desemprego ou a prestar trabalhos como voluntários”, frisou, lamentando, no entanto, a suspensão, há 18 meses, do médico e presidente do sindicato, Adriano Manuel, considerando a medida como “falta de patriotismo de quem governa”.
Pedro da Rosa deu conta também que a classe médica angolana é muito mal renumerada, referindo que um médico em Angola faz o trabalho de cinco, situação que contribui para o acelerado desgaste físico e psíquico destes.
“Se não houver uma rápida intervenção de quem nos dirige, será um caos. No pós-pandemia, o ocidente poderá abrir-se à migração. Não são poucos os médicos que desejam emigrar. Fica o alerta”, apontou.
Apesar da greve deliberada, a assembleia geral dos médicos angolanos incentivou igualmente a comissão de negociação a criar pontes de diálogo com a entidade patronal.
Adriano Manuel, presidente do Sinmea, fez saber, nesta conferência de imprensa, que “felizmente” o Ministério da Saúde angolano já reagiu ao anúncio da greve e as “negociações devem começar na quarta-feira”.
“Em princípio a greve vai sair, exceptuando se o Ministério da Saúde nos der motivo suficiente para que a mesma não saia, e a há questões de que não vamos abdicar como os salários, os subsídios e condições de trabalho”, notou.
“Não podemos aceitar que tenhamos um volume de doentes a morrer e nós a ver sem as mínimas condições possíveis, queremos que se enquadrem os médicos para melhorar a qualidade da prestação de serviços na periferia”, defendeu ainda Adriano Manuel.
O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola integra mais de 3 mil profissionais das mais diversas especialidades espalhados por todo o país.
Saúde está (muito) doente
Angola vai continuar longe de alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, em relação à saúde universal e sustentada, enquanto estiver com uma fasquia exígua no Orçamento Geral do Estado (OGE). Quem o disse, recentemente, foi o ex-director-geral da Pediatria de Luanda, Luís Bernardino.
O médico avançou que, além da verba, que corresponde a cerca de 9,4 por cento do OGE para 2022, ser exígua, o sector não tem criado outras fontes para garantir uma saúde de qualidade para todos.
Luís Bernardino, segundo o Jornal de Angola, falava à margem da Conferência sobre Gestão Hospitalar e Liderança, que decorreu em Luanda, disse que a fasquia do OGE para a Saúde deste ano, prestes a terminar, é de 5,6%, o que considera uma verba incapaz de ajudar o país a atingir as metas traçadas pela Organização Mundial da Saúde até 2030.
O pediatra apelou ao Executivo a ter maior sensibilidade para com o sector da Saúde, aumentando a fasquia nos próximos OGE e, além disso, a criar outras fontes de seguros que possam garantir a qualquer pessoa pobre beneficiar de cuidados primários de saúde e de qualidade.
Luís Bernardino exemplificou que países como Gana e Nigéria, onde a verba para a Saúde é baixa, estão a criar programas de financiamento, o que permite que, pelo menos, dois terços da população carenciada tenha seguro de saúde.
“Mas, Angola, apesar das riquezas naturais que possui, ainda não vejo nada a ser feito em relação a isso. Infelizmente, o Estado está a fazer uma aplicação do dinheiro da Saúde no topo do sistema, ao invés de fazê-lo nos cuidados primários, que é a base fundamental”, disse Luís Bernardino.
Essa estratégia, explicou o médico pediatra, limita a actuação do sector da Saúde, uma vez que “não basta só dar dinheiro, mas é preciso gerir o dinheiro de forma a que beneficiei as populações mais carenciadas”.
Luís Bernardino realçou que, recentemente, a imprensa passou a informação, segundo a qual, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, disse que foram disponibilizados mais de mil milhões de dólares para a construção de grandes hospitais.
“Na verdade, não é isso que se precisa. Temos é de ter um Sistema de Saúde Municipal com qualidade, para se evitar enchentes e mortes nas unidades terciárias”, rematou o médico.
Recorde-se que, entre outras iniciativas, os profissionais de saúde pediram no dia 8 de Junho deste ano a intervenção do Presidente Da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, para “travar” a escassez de materiais descartáveis, medicamentos e de recursos humanos nas unidades sanitárias, sobretudo em Luanda.
Segundo alguns profissionais, o sistema de saúde primário, sobretudo na capital, tinha colapsado e as unidades hospitalares estavam a registar em “média entre seis e dez mortes” associadas à malária e anemia. É claro que a culpa não é, nunca é, do MPLA, porque o partido liderado por João Lourenço só está no Governo há… 46 anos.
“Com todas as observações que temos feito não observamos melhorias nem de medicamentos, nem de recursos humanos e meios e o que me admira é o silêncio do Presidente da República, João Lourenço, em relação a isso”, afirmou na altura o presidente do Sinmea, Adriano Manuel.
Para o médico Adriano Manuel, “é necessário que os altos dirigentes do país, sobretudo o Presidente da República, façam visitas surpresa aos hospitais públicos para observarem o que se passa verdadeiramente e quais as repercussões”. Sim. Terá de ser o Presidente porque, de facto, Angola não tem ministra da Saúde e Sílvia Lutucuta mais não é do que uma figura decorativa, cujo prestígio que tinha quando foi escolhida se esfuma a cada dia que passa.
Folha 8 com Lusa